REPERCUSSÕES DO CURSO NORMAL NA VIDA DE MULHERES NEGRAS


REPERCUSIONES DEL CURSO NORMAL EN LA VIDA DE LAS MUJERES NEGRAS


REPERCUSSIONS OF THE NORMAL COURSE IN THE LIVES OF BLACK WOMEN


Natalino Neves da SILVA1 Laura Rodrigues Paim PAMPLONA2


RESUMO: Este artigo busca compreender as repercussões da aquisição do curso magistério na vida de mulheres negras na cidade de Muzambinho, Minas Gerais. Para tal, dialogamos com três mulheres normalistas negras as quais vivenciaram a sua formação do magistério em uma instituição secular. Fez parte dos procedimentos metodológicos utilizados: entrevistas, análise de fontes documentais, levantamento bibliográficos, entre outros. Os resultados apontam que a formação adquirida por meio do Curso Normal é avaliada positivamente pelas normalistas negras.


PALAVRAS-CHAVE: Normalistas negras. História da educação do negro. Educação das relações étnico-raciais.


RESUMEN: Este artículo busca comprender las repercusiones de la adquisición de un curso de docencia en la vida de las mujeres negras en la ciudad de Muzambinho, Minas Gerais. Para ello, dialogamos con tres mujeres negras normalistas que vivieron su formación docente en una institución laica. Formó parte de los procedimientos metodológicos utilizados: entrevistas, análisis de fuentes documentales, levantamiento bibliográfico, entre otros. Los resultados muestran que la educación adquirida a través del Curso Normal es evaluada positivamente por los estudiantes negras.


PALABRAS CLAVE: Normalistas negras. Historia de la educación del negro. Educación en relaciones étnico-raciales


ABSTRACT: This article seeks to understand the repercussions of acquiring a teaching course on the lives of black women in the city of Muzambinho, Minas Gerais. To this end, we dialogued with three black women normalists who experienced their teaching training in a secular institution. It was part of the methodological procedures used: interviews, analysis of


1 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte – MG – Brasil. Professor Adjunto da Faculdade de Educação. Doutor em Educação. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1746-8713. E-mail: natalinosilva@ufmg.br

2 Instituto Federal do Sul de Minas (IFSULDEMINAS), Muzambinho – MG – Brasil. Técnica em Assuntos Educacionais, Seção de Orientação Educacional. Mestrado em Educação. ORCID: https://orcid.org/0000-0002- 7146-553X. E-mail: laura.pamplona@muz.ifsuldeminas.edu.br


documentary sources, bibliographic survey, among others. The results show that the education acquired through the Normal Course is positively evaluated by black students.


KEYWORDS: Black normalists. History of education of the black. Ethnic-racial relations education.


Introdução


Este artigo deriva de uma pesquisa realizada no âmbito do mestrado em educação e busca compreender as repercussões da aquisição do curso magistério na vida de mulheres negras3 na cidade de Muzambinho, Minas Gerais. De modo mais específico, pretendíamos saber, entre outras coisas, em que medida fazer o curso propiciaria a elas transformações sociais, culturais e econômicas. Ademais, a instituição em que foi conduzida a pesquisa é secular. Assim sendo, acreditávamos que a realização do estudo contribuiria para o campo do conhecimento da História da Educação do Negro, tendo em vista as incipientes produções acadêmicas realizadas nessa escola.

A escola estadual Antonieta de Barros4 foi criada em junho de 1906, atuando na formação do Magistério, majoritariamente mulheres, até o ano 2017, com pequena interrupção entre os anos de 1998 e 2015. Dentre as discussões e levantamentos feitos para a realização da pesquisa, tornou-se pulsante a compreensão sobre o Curso Normal (atual Magistério) em uma cidade com fortes características agrárias, mas também com tradição educacional. Assim, o presente artigo busca apresentar a formação de mulheres negras no histórico Curso Normal de Muzambinho.

Do ponto de vista metodológico, para identificarmos a presença, ou ausência, de mulheres negras no curso, buscamos a identificação, em livros de registros escolares, históricos, pastas dos alunos, fotografias e outros documentos disponíveis no acervo da instituição pesquisada e do museu municipal, entre os meses de junho e setembro de 2019.

Em uma primeira inserção em campo, foi disponibilizado, por parte da secretária responsável pelo acervo, o acesso integral a toda a documentação. Na sequência, contamos com a colaboração de funcionárias da secretaria escolar na prévia seleção dos documentos; adotamos tal metodologia por compreendermos que sendo Muzambinho uma cidade pequena, elas conheciam e identificavam várias das estudantes egressas do curso. Assim, ainda que nos


3 Entende-se a categoria “negro” como conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o

quesito cor ou raça usado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

4 O nome dado é fictício. Prestamos a nossa homenagem à Antonieta de Barros, primeira deputada estadual negra e autora do projeto de lei que estabelece o dia 15 de outubro como dia dos professores.


registros não tivesse a identificação racial, as mesmas indicariam estudantes negras. Dessa forma, para a identificação das estudantes negras, em um primeiro momento, foi feita uma heteroidentificação étnico-racial, que conforme explica Osório (2003) se dá com base por meio de observações fenotípicas da pessoa, em que se consegue identificar a sua pertença étnico- racial. Em seguida, foi feita uma seleção com base nas mulheres listadas em que elas próprias realizaram a sua autodeclaração (pretas ou pardas).

Assim, realizamos a busca nos documentos disponíveis na escola e complementamos nossa pesquisa com a análise das fotografias arquivadas no museu municipal Francisco Cerávolo. Ressalta-se que o acesso a estas últimas fotografias se deram por meio do compartilhamento do Drive Eletrônico do Museu Municipal Francisco Cerávolo, em julho de 2019, permitindo-nos retornar às mesmas quantas vezes foram necessárias, inclusive quando o Museu fechou as atividades ao público em virtude da pandemia de Covid-195.

Outra fonte também utilizada foi à análise de fotografias, pois como defende Matuad (1996), essa técnica busca capturar um testemunho de uma realidade, no qual podemos observar convenções e opções culturais historicamente realizadas. Assim, esse autor defende que “a fotografia nos revela através do estudo da produção da imagem, uma pista para se chegar ao que está aparente ao primeiro olhar, mas que concede sentido social à foto” (MATUAD, 1996, p. 11-12).

Foi feito um levantamento bibliográfico realizado na área “Dissertações e Teses”, no portal Capes (http://bdtd.ibict.br/vufind/), portal de periódicos da área, como Scielo, e por meio do Google Acadêmico (https://scholar.google.com.br), observamos que os trabalhos acadêmicos da área com o enfoque nessa temática ainda são bastante incipientes.

Foram feitas entrevistas semiestruturadas com três mulheres normalistas negras as quais vivenciaram a sua formação do magistério em distintos períodos históricos na instituição 1989, 1997 e 2017. Essa escolha foi intencional uma vez que possibilitaria apreender as percepções dessas sujeitas levando em consideração inclusive momentos históricos, sociais e políticos diversos.



5 Cabe ressaltar que fazer pesquisas no contexto do Coronavírus foi uma situação bastante complicada. A realização das entrevistas com as interlocutoras, por exemplo, seriam feitas presencialmente, no entanto, devido ao afastamento social todas elas foram realizadas por meio de Webconferência na plataforma Meet devidamente gravadas, transcritas e discutidas posteriormente. Além disso, ao longo do trabalho nos deparamos com as instituições (escola, museu municipal, entre outros), todas fechadas. É importante registrar que até o presente momento já foram contabilizadas mais de 600 mil mortes (subnotificado) por Covid-19 no Brasil.


Através desta metodologia, buscamos, por meio de seus relatos, elucidar e preencher lacunas que os documentos escritos não são capazes de responder e atingirmos nossos objetivos.

Nesta perspectiva, entende-se ainda que


[…] outro papel dado à História oral, refere-se à possibilidade de encontrar, através dos depoimentos de marginalizados, excluídos e vencidos, a verdadeira história. Uma história que rompe com o discurso oficial, e, portanto, capaz de desvendar a outra história oculta e mascarada pelo poder. O historiador assume, assim, a missão de dar voz aos sem-voz (RIOS, 2000, p. 10).


Thompson (1992, p. 25) ressalta a esse respeito que “a entrevista propiciará também um meio de descobrir documentos escritos e fotografias que, de outro modo, não teriam sido localizados”. Na mesma perspectiva de Rosa (2006, p. 17), compreendemos a entrevista como uma técnica de coleta de dados, feita por meio de um diálogo orientado para um objetivo definido que, através de um interrogatório, levará o informante a narrar temas específicos.


Situando o contexto de Muzambinho: configurações sociopolíticas, históricas e culturais próprias da região do sul de Minas Gerais


Localizado no Sul de Minas Gerais, Muzambinho faz fronteira com cidades como Guaxupé, Juruaia, Monte Belo, Cabo Verde e a cidade paulista de Caconde. Seu aniversário é comemorado no dia 30 de novembro, data em que se elevou à condição de cidade. Em uma pesquisa no sítio eletrônico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)6, possui uma população que, conforme o último censo (2010), se aproxima a 20.430 pessoas e, portanto, com uma densidade demográfica de 49,84 hab./km.

O município possui uma economia fortemente agrária e com grande produção cafeeira, segundo o IBGE (2016), ocupando o 42º lugar na produção de café na sua região e o 70º lugar em âmbito nacional, sendo a sua produção de café conhecida regionalmente e estampada no brasão municipal. O cultivo do café influencia diretamente nas salas de aula das escolas públicas, seja porque no período de colheita a procura por mão de obra aumenta, diminuindo a presença de estudantes nas escolas.

A influência agrária inclusive faz parte do brasão municipal sinalizando-o como importante motor da economia local, afetando a culinária e economia à cultura do município.


6 Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/mg/muzambinho.html. Acesso em: 04 set. 2019.


Observa-se ainda na bandeira a figura do gado, remetendo à pecuária tradicional do lugar, para o gado de corte ou o leiteiro.

O nome da cidade é uma homenagem ao Rio Moçambo e aos moçambinhos que viviam nestas terras. Moacyr Bretas Soares traz no livro Muzambinho: sua história e seus homens (1940, p. 52), que “os mocambinhos que beiravam a cidade, além de moradias de escravos daquela localidade, serviam de esconderijos para os que fugiam de outras terras”.

De acordo com as informações obtidas no site do IBGE, a história da cidade está relacionada à conquista da liberdade de povos africanos no Brasil.


A história de Muzambinho também se associa à luta pela liberdade dos africanos, a maioria vinda de Angola e Moçambique. Na região houve grande incidência de africanos que fugiram das fazendas e se esconderam na região, principalmente, onde hoje é o bairro Brejo Alegre. O nome Muzambinho vem da influência africana na formação do povoado e possui vários significados. Segundo a tradição, o nome da cidade se originou da palavra mocambo ou mocambinho, isto é, moradia utilizada pelos negros escravos fugitivos (IBGE, 2017)7.


Não obstante, apesar dessa história de luta e resistência na origem do nome da cidade, ao levarmos em consideração o percentual populacional por cor/raça, apontado pelo mesmo Instituto8, verifica-se que em Muzambinho a predominância da população autodeclarada não negra. Neste percebemos é que, apesar da sua formação histórica, a cidade, hoje, possui quase 20% de sua população autodeclarada negra (parda ou preta) sendo bem abaixo da população do estado, que possui uma média de 53,8% de sua população negra. As possíveis explicações para tal fato podem ser compreendidas em diversos momentos da história do município e também das formações regional e nacional. Isso porque, apesar da etimologia de seu gentílico, a constituição de Muzambinho se deu sobre diversas características e influências.

Assim sendo, a compreensão da formação do município está relacionada a fortes características históricas que, para além de serem mineiras, são as de sul mineiras. Tal análise deve ser levada em consideração devido às fortes e diferentes características sociopolíticas, culturais e coloniais desta para as demais regiões de Minas.

O Sul de Minas Gerais faz parte da antiga Comarca do Rio das Mortes, fazendo divisa com São Paulo e Rio de Janeiro e sendo caminho das tropas, alvo de expedições de desbravamentos e povoamentos – com destaque às vilas de Aiuruoca, Baependi e Campanha como as vilas mais antigas.


7Trecho retirado do site do IBGE, em aba referente à História & Fotos de Muzambinho, Minas Gerais, Brasil.

8 Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/muzambinho/pesquisa/23/25888?detalhes=-true. Acesso em: 16 set. 2019


Não obstante, foi com a cafeicultura que Muzambinho se aproximou de outra região: conhecida como Mogiana Paulista, o Oeste Paulista (região de Campinas e Ribeirão Preto). Castilho (2011, p. 34) ressalta que:


A cafeicultura no Sul de Minas seguiu sua expansão pelos municípios a oeste da região, na divisa com o interior paulista, como Monte Santo de Minas, São João da Fortaleza (hoje Arceburgo), Santa Bárbara das Canoas (Guaranésia) e Cabo Verde, todos estabelecidos como extensão da expansão do Oeste Paulista. Desse modo, a expansão da cafeicultura no Sul de Minas foi o resultado de uma expansão ainda mais voraz em outra região, no caso o Oeste Paulista, processo que implicaria na aproximação comercial das duas regiões.


No mesmo sentido, Martins (2014) sinaliza que a região de Guaxupé se expandiu muito na virada do século XIX para o XX, estimulada pela Cia Mogiana. Desta forma, concordamos que, assim como na província de São Paulo “a mão de obra escrava vinha sendo substituída pela corrente imigratória europeia, composta principalmente por italianos, devido a Lei do Ventre Livre e os constantes movimentos abolicionistas” (CASTILHO, 2011, p. 33), em Muzambinho esta substituição também se fez presente.

No entanto, cabe refletir que, nos cafezais já formados, o cultivo passou a ser na base do colonato ou empreitadas de colheitas. Assim, uma importante população de imigrantes atraída para a região também atuou em atividades urbanas como alfaiates. Destacamos, ainda, que diferentemente do ocorrido com a população negra, agora liberta, aos imigrantes europeus diversos estímulos foram conferidos, como:


Ao agricultor acompanhado de família era facilitada a compra de lote rural a prazo, ou à vista. Os chefes de família poderiam obter um novo lote, desde que a família contasse com pelo menos cinco pessoas aptas apara o trabalho ou que a cultura do primeiro lote tivesse sido cuidadosamente desenvolvida (CASTILHO, 2011, p. 56).


Curso Normal, Feminilização do Magistério, Normalistas Negras


A proposta do Curso Normal em 1906 na cidade de Muzambinho-MG está vinculada ao espírito das demandas políticas expressas com o advento da nova República, ainda em sua gênese. Isso porque a criação do Curso Normal, por meio do Decreto n.º 10.060, de 30 de novembro de 1888 (BRASIL, 1888), faz parte de uma série de medidas que buscava aprimorar a civilidade da população brasileira, regenerando-a e preparando-a, portanto, para o novo país que se almejava. Tais desejos se intensificaram após a proclamação da República, quando um projeto de formação de identidade nacional se acentuou.


Nesse sentido, Muller (2008) afirma que, aos poucos, a escola passou a ser o espaço pensado e planejado para a criação desse povo brasileiro, perpassando sempre pelos chamados valores morais e físicos. Buscando alcançar tais valores, Jairza Silva (2018) destaca que, regido por mudanças nas relações patriarcais e econômicas, a feminização do magistério transformou- se em um fenômeno mundial no final do século XIX e ao longo do século XX. Consequência disso foi que


[...] as mulheres da classe média passaram a ser as responsáveis pela missão de moralização social das classes trabalhadoras. Desse modo, a presença do feminino começou a ser efetivada, a partir do final do século XIX, e seguiu nessa tendência, ao longo do século XX. Processo esse que ocorreu também no Brasil com as devidas especificidades (SILVA, 2018, p. 83).


Paralelamente ao processo de feminização do magistério, que o associava aos valores e características maternas, cabe destacar que a própria construção do currículo acabava direcionando as mulheres para o curso. Assim, o currículo também funcionava como um limitador à continuidade de sua trajetória educacional.

À construção curricular, conforme mencionado, e à associação da crença de uma docilidade de gênero, acrescentam-se razões econômicas para essa feminização do magistério. Isso porque, juntamente à proposta de educar e civilizar a população brasileira, veio também o desafio de como fomentar tal processo. Assim, o Estado poderia pagar salários reduzidos, uma vez que poderia submeter as mulheres a tal condição. Carvalho e Carvalho (2012, p. 110) acrescentam ainda que o perfil aspirado para essa docência era de que “essa mulher que ganhou esse espaço num trabalho útil e digno era de classe social abastada, por isso o salário era secundário”.

Percebemos, assim, que o Curso Normal inicialmente significava possibilidades de trabalhar, sendo a docência uma das poucas possibilidades de trabalho às mulheres. Em contraparte, se, para as mulheres, sobretudo as vinculadas à classe média, significava a possibilidade de trabalho formal, bem como uma maneira de sair do espaço privado do lar para o espaço público da escola, para as mulheres negras, que desde sempre já ocupavam postos de trabalho considerados subalternos ou em condições análogas à escravidão e cujo acesso aos espaços públicos já se dava sem qualquer tipo de formalidade, prestígio e reconhecimento, significava apenas um meio de sobrevivência.

O significado do Curso Normal, portanto, é distinto para esse grupo social. Ou seja, para mulheres brancas oriundas de classes sociais abastardas, além das questões financeiras, a


inserção nesse mundo do trabalho significava também relativa independência, enquanto, para a mulher negra,


[...] toda a vivência do espaço privado, destinado à mulher negra, esteve implicada em uma experiência pública, porquanto, depois da abolição formal. Essas mulheres tiveram de ajustar as suas vidas fazendo inúmeras negociações e agenciamentos. Assim sendo, para elas não existem público e privado separado, esse seria um aspecto central de problematização em se tratando de produzir a feminização do magistério (SILVA, 2018, p. 86).


Conforme o curso foi ganhando ares mais tecnicistas mediante reformas educacionais, a carreira de docência foi se profissionalizando e um novo público começou a procurar o curso. Acrescenta-se a isso a desvalorização da carreira de professor, que, com uma baixa remuneração, deixa de ser almejada pelas classes sociais mais altas. Assim, o ingresso das mulheres negras de camadas populares no curso vai se dando, historicamente, gradativamente. Não obstante, a inserção de mulheres negras continuou deficitária, isso porque, com mecanismos de exclusão como o exame de admissão, implementado pela Lei n.º 4.024 de 20 de dezembro de 1961, pela qual se estabelecia que “Art. 36. O ingresso na primeira série do 1º ciclo dos cursos de ensino médio depende de aprovação em exame de admissão, em que fique demonstrada satisfatória educação primária, desde que o educando tenha onze anos completos

ou venha a alcançar essa idade no correr do ano letivo.” (BRASIL, 1961, Art. 36).

Essa política vigorou por 40 anos e, junto a essas barreiras colocadas legalmente, somam-se os obstáculos impostos pelo racismo institucional, operando na manutenção de uma discriminação indireta, conforme argumenta Moreira (2017 apud ALMEIDA, 2019) quando explica que a discriminação indireta é marcada pela ausência de intencionalidade explícita de discriminar pessoas. Isso pode acontecer porque a norma (no caso, o exame de admissão) não leva em consideração ou não prevê os efeitos da mesma.

O contato com o acervo revelou dados historiográficos da presença de mulheres negras na instituição, inclusive quando ela era ainda particular. Essa constatação está disponível no acervo fotográfico referente aos períodos anteriores ao incêndio na década 19609, em que foi observada, em uma foto datada de 1924, a presença de duas estudantes com características fenotípicas predominantemente negras, localizadas na fotografia em pé no primeiro plano, sendo a segunda da direita para esquerda e a quinta aluna da direita para esquerda, também em



9 A escola sofreu um incêndio acidental em 03 de junho de 1969, quando estudantes invadiram a escola para roubar avaliações que seriam aplicadas naquela semana. E mais, as informações disponíveis nos registros só poderiam ser acessadas a partir do ano de 1989, visto que, naquele ano, a escola passou por uma inundação e seus dirigentes receberam a orientação da Secretaria Regional de Ensino (SRE) de Poços de Caldas de descartar toda a documentação a fim de minimizar riscos de infestações e transmissão de mofo para os demais documentos.


pé no primeiro plano (Figura 1). Não obstante, não foi possível identificá-las nos documentos analisados.


Figura 1 - Normalistas com as freiras (1924)


Fonte: Museu Municipal Francisco Cerávolo, Muzambinho – MG


Na consulta aos registros dos dados das discentes, não há identificação das normalistas. Consequentemente, não foi possível resgatar outros registros que corroborem a cor/raça, visto que não há nomes nem mais informações na fotografia e não há registros desse período na escola, em decorrência do incêndio e, posteriormente, do alagamento. Porém, a presença delas durante o período analisado já nos chamou muito a atenção e nos levou a ponderar sobre a presença de mulheres negras em curso magistério, ainda na primeira década de 1920.

Somando-se a esses obstáculos e buscando propor um recorte temporal para a pesquisa, foi proposto a partir da implantação da Lei nº 7.044/8210, que altera dispositivos da Lei nº 5.69211, de 11 de agosto de 1971, referentes à profissionalização do ensino de 2º grau. Tal recorte se mostrou importante, pois diversas normatizações foram feitas no curso de magistério após a implementação da Lei supracitada. Ademais, destacamos que, com esse recorte, foi possível entrar em contato, com as normalistas egressas do curso, podendo, dessa forma, contar com os seus depoimentos.

No caso específico do lócus da pesquisa, verifica-se, por meio das fontes consultadas, que o aumento de matrículas de mulheres negras em no curso magisterial em Muzambinho é



10 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7044.htm#art1. Acesso em: 10 fev. 2021.

11 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5692.htm. Acesso em: 10 fev. 2021.


posto após a sanção da Lei n.º 5.692, de 11 de agosto de 1971 (BRASIL, 1971a), que fixa as diretrizes para o ensino do 1º e 2º graus. É possível considerar, portanto, que o referido disposto legal possui um impacto direto na formação das mesmas, visto que, a partir dele, finda-se a prática dos exames de admissão: “o exame de admissão foi por algumas décadas a linha divisória decisiva entre a escola primária e a escola secundária. [...] Era uma espécie de senha para ascensão social [...]” (NUNES, 2000, p. 45).

No tocante ao período que o curso funcionou, destacamos este teve suas atividades mantidas quase que ininterruptamente até 1997, quando, após a aprovação da Lei de Diretrizes Bases da Educação Nacional (LDBEN) – Lei n.º 9.394/96 (BRASIL, 1996) –, estabeleceu-se que, para ministrar aulas no nível básico da Educação, seria necessária a formação em nível superior, causando conflito com o curso. No entanto, o curso voltou suas atividades em 2016, oferecendo duas turmas, mas encerrando novamente em 2017, após a formatura das mesmas. Observamos, portanto, uma longevidade na formação de mulheres normalistas no município.

Nessa medida, cabe refletir sobre a formação de sua identidade como construção social é refletir sobre as possíveis categorizações e sobre o lugar que foi estabelecido para elas também no campo educacional, uma vez que a identidade desses indivíduos foi construída não apenas pela oposição ao homem branco, mas também pelo conflito, pelos diálogos, pelas aproximações e distanciamentos dos homens brancos e negros e, ainda, da mulher branca.

Nilma Lino Gomes (2003, p. 171-172) argumenta que:


Nessa perspectiva, quando pensamos a escola como um espaço específico de formação, inserida num processo educativo bem mais amplo, encontramos mais do que currículos, disciplinas escolares, regimentos, normas, projetos, provas, testes e conteúdos. A escola pode ser considerada, então, como um dos espaços que interferem na construção da identidade negra. O olhar lançado sobre o negro e sua cultura, na escola, tanto pode valorizar identidades e diferenças quanto pode estigmatizá-las, discriminá-las, segregá-las e até mesmo negá-las.


É no sentido de que a identidade negra e feminina é uma construção que a educação e as escolas tiveram (e têm) um papel importante. Recorremos novamente a Nilma Lino Gomes (2002, p. 40), que explica que:


[...] a diferença racial é transformada em deficiência e em desigualdade e essa transformação é justificada por meio de um olhar que isola o negro dentro das injustas condições socioeconômicas que incidem, de modo geral, sobre a classe trabalhadora brasileira.


Dessa forma, pensar em uma educação para negros é refletir sobre a importância de currículos e também de políticas públicas. Não obstante, conforme discutido anteriormente, a


educação para a população negra no Brasil não foi estimulada. Pelo contrário, obstáculos foram criados quando se pensava na inserção dos mesmos.

Não podemos também desconsiderar que a escola primária, por exemplo, assumiu um papel essencial na construção da identidade nacional por meio das escolhas dos conteúdos e das regulamentações mais simples, como vestimentas dos alunos e professoras. Ainda em relação à formação de uma identidade nacional, cabe ressaltar que a mesma perpassou também pela construção da profissão docente e de sua feminização, nascendo o ideário da professorinha, especialmente da professora branca. Dessa forma, percebemos que, conforme a profissão docente foi se feminizando, ela foi se transformando na figura de uma mulher branca. Maria Lúcia Rodrigues Muller (2014) apresenta o processo de branqueamento do magistério, e não apenas dos alunos.

Segundo a autora, esse processo foi parte de uma legitimação da inferioridade maniqueísta, aliando o antagonismo branco/preto, beleza/feiura e superioridade/inferioridade à competência pedagógica. Acrescenta, ainda, em outro momento, que:


[...] já nos anos [19]20, os padrões definidos pelas reformas educacionais para a professora primária têm uma conotação racial e étnica precisa, não só através da exigência do diploma da Escola Normal, como da exigência do “mérito”, e de que a professora pudesse apresentar um biótipo “saudável” (MULLER, 2006, p. 09).


Desse modo, cabe ressaltar que a ausência de políticas públicas educacionais foi determinante para o afastamento das meninas negras dos bancos escolares. Assim, podemos observar um desaparecimento de professoras e alunas negras nos registros e documentos nesse período.

Com as políticas de ações afirmativas empreendidas nas últimas décadas, tal realidade vem se modificando, sendo exemplos dessas políticas as Leis n.º 10.639/03 e 11.645/08 (BRASIL, 2003; 2008). A proposta é que, por meio da inclusão desses conteúdos em livros didáticos e mesmo nas festividades, seria possível articular educação e formação da identidade negra. Para Gomes (2002, p. 46), seria possível ainda


Mais do que simplesmente apresentar aos alunos e às alunas dados sobre a situação de discriminação racial e sobre a realidade social, política e econômica da população, a escola deverá problematizar a questão racial. Essa problematização implica descobrir, conhecer e socializar referências africanas recriadas no Brasil [...].


Verificamos que as normalistas negras tiveram que conciliar trabalho e estudos em suas trajetórias de vida, rompendo com isso o caráter assistencial/voluntário do magistério


apreendido por mulheres de outros grupos étnico-raciais e de classe social distinta. Percebemos a esse respeito que, ainda bem novas, elas tiveram de lidar com a superação de obstáculos dada a realidade social vivida, sendo, muitas vezes, desconsiderada ou desconhecida, inclusive, por seus professores(as).


Magistério e mulheres negras: rupturas, conquista de direitos e possibilidades


Levando em consideração o contexto socioeconômico do munícipio de Muzambinho, ou seja, considerando que Muzambinho faz parte de cidades com tradição e economia ligada fortemente às produções agrícolas e pecuárias, ter uma professora na família é motivo de orgulho e de crescimento, visto que houve o rompimento tradicional com o trabalho manual.

Na mesma medida, considerando também que, conforme dito anteriormente, Muzambinho é um município com tradição escolar e que emprega centenas de pessoas em suas escolas e instituto federal, assim, ter um membro da família na condição de docente é motivo de muito orgulho para classes mais baixas, especialmente após a escola agrícola se tornar instituto federal, quando proporcionou o aumento de vagas e trouxe muitos profissionais para o município. Neste sentido, que quando questionada sobre a importância de sua formação para ser professora que Maria Madalena12 nos relatou que


Como a minha mãe trabalhava de doméstica, e ela trabalhava na casa de professora [...] era um pessoal de classe alta né, para gente era classe social alta. Então, a minha formatura foi uma alegria, né, para o meu pai. Porque além de... éramos apenas dois né, um casal de filhos. O meu pai, a mãe dele faleceu e ele tinha apenas nove anos então ele foi criado para casa dos outros, sem nenhum recurso, de casa em casa né. Cada tempo que estava em uma. Então quando eu me formei para ele era assim, era uma doutora né. Era a mesma coisa de estar formando em medicina. Aí quando eu fizer faculdade então e terminei para ele foi uma alegria (Maria Madalena, negra, 42 anos, formada em 1997, grifos nossos)


Entretanto, apesar das tradicionais escolas no município, observamos que essas mulheres negras são as primeiras do seu núcleo familiar que avançam nos estudos, chegando ao nível superior. Ao mesmo tempo, observamos também que todas destacam ainda que o curso Magistério ofertou essa possibilidade, seja por proporcionar condições financeiras ou pelo amadurecimento que o curso trouxe.


O [que me levou a fazer o] curso de magistério foi uma curiosidade. Eu estava querendo fazer um curso, aí eu comecei administração [em nível técnico] e


12 Os nomes das interlocutoras são fictícios e eles foram escolhidos por elas mesmas.


eu conheci uma amiga que fazia o curso magistério e ela me disse que era muito bom tudo. Aí eu fiquei curiosa [e busquei] saber como que funciona. Eu fui e gostei. Aí eu fui aprendendo, aprendendo. Eu gosto muito de aprender. Eu me apaixonei. [Exercer o ofício]. Eu pego substituição, geralmente, na escola que eu fiz o estágio. Porque às vezes falta algum professor. Ou os próprios professores me chamam, entende? Tipo assim, o professor vai faltar tal dia, aí ele me liga: “Fátima [...] você pode vir amanhã”? Eles deixam o material, aí eu trabalho aquele material, com os alunos da educação. Geralmente a educação infantil, porque o magistério que eu fiz é para educação infantil (Fátima, negra, 34 anos, formada em 2017, grifos nossos).


Sim. Muito grande, houve uma mudança muito grande. Porque eu ganhava trabalhando na zona rural, num serviço muito difícil, sofrido, pouco valorizado, eu acho que deveria ser mais valorizado que é o que mantém a nossa mesa é o pessoal da zona rural. Ele é discriminado por demais da conta. Agora não tanto, mas antes era nós: “olha o boia-fria, olha não sei o quê...” Então, assim hoje as pessoas não se falam isso mais, porque hoje é tudo mecanizado, hoje é maquininha para panhar café, hoje são tratores de última geração. Então hoje é diferente, mas antes não, era enxada mesmo, um embornalzinho, era a marmita embrulhado no jornal e amarrada no pano de prato. Então era muito sofrido, e o que a gente ganhava não era suficiente. E a mulher negra na zona é mais sofrido ainda. Então depois que eu formei sim. Eu consegui, lutei, fiz bastante substituições, fiquei muitos anos em substituições, até conseguir que ser reconhecida como professora aí mudou muito (Maria Madalena, negra, 42 anos, formada em 1997, grifos nossos).


Como professora. E assim, a minha maior, meu maior sonho quando eu concluí o magistério, o meu pai foi na minha colação de grau. E o meu maior sonho era fazer faculdade, é igual você falou, não tinha condições, era muito caro, tudo... então eu só fui fazer faculdade, depois que eu comecei a trabalhar. Aí sim eu tinha o dinheiro para pagar a faculdade. Aí eu consegui. (Maria, negra, 52 anos, formada em 1989, grifos nossos).


Chamou-nos a atenção desta forma que o curso normal/magistério proporcionou a essas mulheres negras possibilidades educacionais que anteriormente não foi possível aos seus familiares alcançarem. Além disso, por mais que, ainda hoje a profissão de professora(r) dos anos iniciais possa ser desvalorizada do ponto de vista financeiro, a profissão possui duplo significante para essas mulheres negras.

Isso porque o magistério rompe com o ciclo referente à baixa escolaridade familiar, como também significa possibilidades de progressão em sua carreira profissional. Desta forma, o curso reverbera positivamente no que diz respeito à construção da autoestima destas mulheres, perspectiva essa compartilhada por outros estudos, pois:


Exercer a carreira da docência, portanto, para essas sujeitas não está necessariamente relacionado em ocupar socialmente uma profissão de baixo prestígio social. Pelo contrário, para elas significa alcançar determinada ascensão e mobilidade social, haja vista a sua trajetória de vida e familiar (SILVA, 2018, p. 86).


A percepção de uma mudança de vida a partir do ingresso no curso do Magistério é compartilhada por Fátima ao considerar que


A lembrança que eu tenho de magistério, é uma lembrança de... sabe? Descobrimento. Porque eu era muito ignorante, era muito ignorante mesmo, eu era uma mãe ignorante, uma pessoa ignorante. Então eu descobri no magistério, que para educar, para ensinar não precisa. (...) você não precisa somente ser mãe, você também tem que ser companheira, sabe? Entender o outro lado da história. Não é só você chegar lá e dá aula para aluno. Para um aluno. Você está dando aula 25 alunos dentro de uma sala, você precisa dar atenção para todos. Todos precisam de atenção e eu era muito ignorante nesse ponto. Eu aprendi que eu tenho que aprender mais e mais (Fátima, negra, 34 anos, formada em 2017, grifos nossos).


Assim sendo, educação é compreendida por meio do sentido lato o qual se constitui não apenas em nossa escolarização, como também se realiza em nosso processo de humanização, inclusive em nossas relações familiares. Ou seja, a prática educativa se dá em diversos espaços sociais: na família, na comunidade, no trabalho, nas ações coletivas, nos grupos culturais, nos movimentos sociais, na escola, entre outros.

O papel da família é, portanto, fundamental no processo de formação de identidade negra e socialização. Neste sentido, Eliana Oliveira (2006. p. 17) nos explica sobre o significado da socialização como um conjunto de mecanismos pelos quais o indivíduo aprende sobre as relações sociais e assimilam as normas, valores e crenças de uma sociedade e de uma coletividade. Assim, percebemos que o apoio familiar para a continuidade e permanência no curso de magistério, sendo ele considerado como uma possibilidade de oportunidades e reconhecimento social,


[...] assim meu pai e a minha mãe sempre incentivaram os seus filhos a estudar. [A minha mãe] falava que a leitura fazia muita falta e assim [...] as lembranças que eu tenho que já são falecidos, né? É dela está sempre me incentivando a estudar, a ter uma vida diferente dela, né? (...) É. Esse meu irmão, o meu irmão ele ajudou a comprar algum material escolar para mim e a minha outra irmã, a [...]. E assim, não é que quando eu era estudante eu tinha tudo que eu precisava não. A gente continuava com uma situação difícil, mas assim, o arroz e o feijão não faltavam. Então, eu não tinha roupas, assim, né eram roupas, uma troca e né... eu não tinha os cadernos que todo mundo tinha, eu era da caixa escolar, então a minha infância foi esta. Mas a minha mãe dizia que eu era muito estudiosa, que eu era muito inteligente, e ela incentivava todos nós a estudarmos. Desde... os meus irmãos mais velhos, eu, né. E aí eu fui seguindo, fui estudando, então, as coisas foram melhorando. Porque depois eu comecei a trabalhar. [...] Sabe e ela falava o tempo todo que era muito importante o estudo, que ela não sabia ler, ela não sabia escrever, e que a gente... ela... eu lembro dela falar, insistir com todas nós, para nós termos um emprego registrado, sabe. Ela falava da estabilidade na época, da estabilidade. Então ela falava muito: “estuda, para você ter um


emprego diferente do que a gente teve”. Então este incentivo eu acho que cada um aproveitou de uma forma. A minha irmã, a [...], fez enfermagem. Ela é técnica em enfermagem. Fez o magistério, né. Fez o colegial, mas não quis seguir a carreira de professora. Ela não fez faculdade não. A Márcia concluiu o ensino médio, no Acertando o Passo, um programa que teve. Meu irmão fez até o segundo ano do ensino médio. A [...], parece que ela estudou até o quarto, terceiro ano, só quando estava em casa mesmo. Depois parou com o estudo, e a [...], ela fez até quinto ano na época (Maria, negra, 52 anos, formada em 1989, grifos nossos).


Minha mãe ela gosta muito de leitura. Gosta muito de ler e eu sempre fui vendo ela lendo e falava: Nossa, mãe, gosto disso não. Eu sempre falava, ah credo vou mexer com isso não. Nossa não sei como é que vai aguentar ler tanto. Eu falava para ela. E a minha mãe sempre disse assim para mim, assim o porquê [...] eu sou a única filha mulher dela. Então ela sempre pôs assim na minha cabeça, assim: “filha você tem que ser alguém na vida” “Alguém... você tem que fazer alguma coisa boa da sua vida, porque a gente que é mulher, a gente já sofre. Ainda mais ainda mais preta. Nossa senhora, negro então, você não pode nem sonhar, né? Então pelo menos, se você sonhar e consegui minha filha, o que você não conseguir para mim está ótimo” (Fátima, negra, 34 anos, formada em 2017, grifos nossos).


Percebemos a importância do apoio e incentivo familiar na educação e formação das mesmas. Isso pode ser explicado devido aos seus respectivos familiares não ter tido assegurado o direito à educação e também as camadas populares não serem muitas vezes reconhecidas nesses espaços institucionais. Quanto a essa visão, Lea Paixão (2007) argumenta que as camadas populares depositam muita importância à escola, uma vez que enxergam nesta as possibilidades de aprendizagem, como habilidades básicas de ler e escrever, mas também que a elas serão transmitidos normas que organizam a sociedade mais amplamente.

De todo modo, buscando formação, integração ou direito, comprovamos na fala das entrevistadas o que anteriormente foi argumentado por Amauri Pereira (2005) que a democratização da escola deve ser incentivada e garantida pela direção e equipe pedagógica, mas que não será implantada se não tiver interesse e “consciência” dos estudantes, pais ou responsáveis.

No entanto, observamos na trajetória estudantil de 2 das 3 entrevistadas a continuidade e formação em nível superior em instituições privadas, mesmo Fátima inicia o seu curso em instituição privada e depois consegue vaga remanescente em uma instituição federal. Desta forma, considerando as condições sociais das mesmas, ter feito o curso Magistério, nível médio técnico, foi essencial para poderem ter acesso ao nível superior, visto que havia a necessidade de uma remuneração e trabalho para sustento próprio, além de ser parte do sustento familiar.

Gatti (2010) trouxe que 64% das matrículas nas Pedagogias estavam nas instituições particulares, destacando ainda que na década de 1980 as instituições federais focaram nos


cursos bacharelados. A autora acrescenta ainda que, considerando a faixa etária dos 18 a 24 anos como idade ideal para cursar o ensino superior, que 20% dos estudantes de pedagogia estão na faixa etária de 30 a 39 anos. Neste quesito, nossas interlocutoras não estão diferentes disso, visto que as mesmas cursaram/cursam após os 30 anos.

Dentre tantas mudanças políticas que explicam as mudanças, inclusive a vaga em instituição federal de Fátima, destacamos as reformas e expansões universitárias, dando grande destaque a criação dos institutos federais que, traz na Lei nº 11.892/200813 a obrigatoriedade de mínimo de 20% das vagas serem de cursos de formação de licenciatura, impactando diretamente o município estudado e nas entrevistadas.


Considerações finais


O estudo apontou que diversas políticas influenciaram direta e indiretamente na formação magisterial de mulheres negras no Brasil. Direta por meio de obstáculos como os exames de admissão, obrigatórios de 1931 a 1971 que limitaram o acesso ao Ensino Secundário. Nesse contexto, tais exames acabaram se transformando no principal mecanismo de exclusão assentado na neutralidade meritocrática técnica de resultados, decretando o fim da trajetória educacional de várias mulheres negras que não tinham condições financeiras para estudar ou, até mesmo, para adquirir os materiais escolares necessários para concluir os estudos.

Explicitou ainda às ausências de representatividade negra na carreira docente. Isso porque, ao analisarmos as fontes documentais, verificou-se que, apesar de a docência ser uma prática majoritariamente feminina e considerando um curso secular na formação docente em Muzambinho, à luz da interseccionalidade raça, gênero e classe, constata-se que professoras negras estão sub-representadas na carreira da docência.

Por fim, a formação adquirida por meio do Curso Normal para as normalistas negras é avaliada de maneira bastante positiva por elas, tendo em vista as condições sociorraciais adversas por essas mulheres enfrentadas concluir esse nível de escolaridade gera os sentimentos de orgulho e superação de serem as primeiras de sua família a possuírem uma longevidade escolar.


13 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11892.htm. Acesso em: 10 jun. 2021


A experiência de cursar o Magistério para essas mulheres, portanto, significou o ponto de partida para que fosse possível prosseguir com as suas trajetórias escolares por meio da continuidade de estudos em níveis de curso superior e na pós-graduação.


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Como referenciar este artigo


SILVA, N. N.; PAMPLONA, L. R. P. Repercussões do curso normal na vida de mulheres negras. Rev. @mbienteeducação, São Paulo, v. 14, n. 3, p. 611-630, set./dez. 2021. e-ISSN: 1982-8632. DOI: https://doi.org/10.26843/v14.n3.2021.1098. p611-630


Submetido em: 18/11/2021 Revisões requeridas: 14/10/2021 Aprovado em: 10/11/2021 Publicado em: 16/12/2021


REPERCUSSIONS OF THE NORMAL COURSE1 IN THE LIVES OF BLACK WOMEN


REPERCUSSÕES DO CURSO NORMAL NA VIDA DE MULHERES NEGRAS


REPERCUSIONES DEL CURSO NORMAL EN LA VIDA DE LAS MUJERES NEGRAS


Natalino Neves da SILVA2 Laura Rodrigues Paim PAMPLONA3


ABSTRACT: This article seeks to understand the repercussions of acquiring a teaching course on the lives of black women in the city of Muzambinho, Minas Gerais. To this end, we dialogued with three black women normalists who experienced their teaching training in a secular institution. It was part of the methodological procedures used: interviews, analysis of documentary sources, bibliographic survey, among others. The results show that the education acquired through the Normal Course is positively evaluated by black students.


KEYWORDS: Black normalists. History of education of the black. Ethnic-racial relations education.


RESUMO: Este artigo busca compreender as repercussões da aquisição do curso magistério na vida de mulheres negras na cidade de Muzambinho, Minas Gerais. Para tal, dialogamos com três mulheres normalistas negras as quais vivenciaram a sua formação do magistério em uma instituição secular. Fez parte dos procedimentos metodológicos utilizados: entrevistas, análise de fontes documentais, levantamento bibliográficos, entre outros. Os resultados apontam que a formação adquirida por meio do Curso Normal é avaliada positivamente pelas normalistas negras.


PALAVRAS-CHAVE: Normalistas negras. História da educação do negro. Educação das relações étnico-raciais.


RESUMEN: Este artículo busca comprender las repercusiones de la adquisición de un curso de docencia en la vida de las mujeres negras en la ciudad de Muzambinho, Minas Gerais. Para ello, dialogamos con tres mujeres negras normalistas que vivieron su formación docente en una institución laica. Formó parte de los procedimientos metodológicos utilizados: entrevistas,


1 Vocational course that is taken along with High School. The purpose is to capacitate professionals to work in Early Childhood Education. In this paper, we are going to reference to it as “teaching course”.

2 Federal University of Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte – MG – Brazil. Adjunct Professor of the School of Education. Doctorate in Education. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1746-8713. E-mail: natalinosilva@ufmg.br

3 Federal Institute of Sul de Minas (IFSULDEMINAS), Muzambinho – MG – Brazil. Educational Affairs Technician, Educational Guidance Section. Master's degree in Education. ORCID: https://orcid.org/0000-0002- 7146-553X. E-mail: laura.pamplona@muz.ifsuldeminas.edu.br


análisis de fuentes documentales, levantamiento bibliográfico, entre otros. Los resultados muestran que la educación adquirida a través del Curso Normal es evaluada positivamente por los estudiantes negras.


PALABRAS CLAVE: Normalistas negras. Historia de la educación del negro. Educación en relaciones étnico-raciales


Introduction


This article derives from a research conducted as part of the master's degree program in education and seeks to understand the repercussions of the acquisition of the magisterial course in the lives of black women4 in the city of Muzambinho, Minas Gerais. More specifically, we intended to know, among other things, to what extent taking the course would provide them with social, cultural, and economic transformations. Furthermore, the institution where the research was conducted is secular. Therefore, we believed that this study would contribute to the field of knowledge of the History of Black Education, considering the incipient academic productions carried out in this school.

The state school Antonieta de Barros5 was created in June 1906, working in the training of teachers, mostly women, until the year 2017, with a small interruption between the years 1998 and 2015. Among the discussions and surveys carried out for this research, the understanding about the Normal Course (currently Magisterial) in a city with strong agrarian characteristics, but also with educational tradition, became pulsating. Thus, this article seeks to present the training of black women in the historical Normal Course of Muzambinho.

From the methodological point of view, to identify the presence, or absence, of black women in the course, we sought identification, in school record books, histories, student folders, photographs and other documents available in the collection of the researched institution and the municipal museum, between the months of June and September 2019.

In a first insertion in the field, the secretary responsible for the collection provided full access to all the documentation. Next, we counted on the collaboration of employees of the school secretariat in the previous selection of documents; we adopted this methodology because we understood that being Muzambinho a small town, they knew and identified several of the students who had graduated from the course. Thus, even if there was no racial identification in



4 The category "Black" is understood as the group of people who self-declare black and mixed race, according to the color or race questionnaire used by the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE).

5 The name given is fictitious. We pay homage to Antonieta de Barros, the first black state deputy and author of the bill that establishes October 15th as teachers' day.


the records, they would indicate black students. Thus, for the identification of black students, at first, a racial-ethnic hetero-identification was performed, which according to Osório (2003) is based on phenotypic observations of the person, in which it is possible to identify their racial- ethnic belonging. Next, a selection was made based on the women listed in which they themselves made their self-declaration (black or brown).

Thus, we conducted the search in the documents available at the school and complemented our research with the analysis of the photographs archived at the Francisco Cerávolo Municipal Museum. It is noteworthy that the access to these last photographs occurred through the sharing of the Electronic Drive of the Francisco Cerávolo Municipal Museum, in July 2019, allowing us to return to them as many times as necessary, including when the Museum closed its activities to the public due to the Covid-19 pandemic6.

Another source also used was the analysis of photographs, because as Matuad (1996) argues, this technique seeks to capture a testimony of a reality, in which we can observe cultural conventions and options historically held. Thus, this author defends that "photography reveals us, through the study of image production, a clue to reach what is apparent at first glance, but that grants social meaning to the photo" (MATUAD, 1996, p. 11-12, our translation).

A bibliographic survey was carried out in the "Dissertations and Theses" area, at the Capes portal (http://bdtd.ibict.br/vufind/), periodicals portal of the area, such as Scielo, and through Google Scholar (https://scholar.google.com.br), we observed that the academic works in the area focusing on this theme are still very incipient.

Semi-structured interviews were conducted with three black normalist women who experienced their teacher training in different historical periods in the institution 1989, 1997, and 2017. This choice was intentional since it would make it possible to apprehend the perceptions of these subjects taking into consideration different historical, social, and political moments.

Through this methodology, we seek, by means of their reports, to elucidate and fill in gaps that the written documents are not able to answer and to achieve our objectives. From this perspective, it is also understood that


6 It is worth mentioning that doing research in the context of the Coronavirus was a very complicated situation. The interviews with the interlocutors, for example, would be done face-to-face, however, due to the social distance, all of them were done through Webconference on the Meet platform duly recorded, transcribed and discussed later. In addition, throughout the work we came across institutions (school, municipal museum, among others), all closed. It is important to register that to date more than 600,000 deaths (under-reported) have been accounted for by Covid-19 in Brazil.


[...] another role given to oral history refers to the possibility of finding, through the testimonies of marginalized, excluded and defeated people, the true history. A history that breaks with the official discourse, and, therefore, capable of unveiling the other history hidden and masked by power. The historian thus assumes the mission of giving voice to the voiceless (RIOS, 2000, p. 10, our translation).


Thompson (1992, p. 25) points out in this regard that "the interview will also provide a means of discovering written documents and photographs that otherwise would not have been located. In the same perspective of Rosa (2006, p. 17), we understand the interview as a data collection technique, done by means of a dialogue oriented to a defined objective that, through an interrogation, will lead the informant to narrate specific themes.


Situating the Muzambinho context: sociopolitical, historical and cultural configurations typical of the southern Minas Gerais region


Located in the south of Minas Gerais, Muzambinho borders cities such as Guaxupé, Juruaia, Monte Belo, Cabo Verde, and the São Paulo city of Caconde. Its birthday is celebrated on November 30, the date on which it became a city. In a search on the website of the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE)7 , it has a population that, according to the last census (2010), is close to 20,430 people and, therefore, with a demographic density of 49.84 hab./km.

The municipality has a strongly agrarian economy with large coffee production, according to IBGE (2016), occupying the 42nd place in coffee production in its region and 70th place nationally, and its coffee production is known regionally and stamped on the municipal coat of arms. The cultivation of coffee directly influences the classrooms of public schools, both because in the harvest period the demand for labor increases, decreasing the presence of students in schools.

The agrarian influence is even part of the municipal coat of arms, signaling it as an important engine of the local economy, affecting the cuisine and economy of the municipality's culture. The flag also features a cattle figure, referring to the traditional ranching of the place, for beef or dairy cattle.

The name of the city is a tribute to the Moçambo River and the moçambinho people that lived in these lands. Moacyr Bretas Soares brings in the book Muzambinho: sua história e seus homens (1940, p. 52, our translation), that "the mocambinhos that bordered the city, besides


7 Available: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/mg/muzambinho.html. Access: 04 Sep. 2019.


being the slaves' dwellings in that locality, served as hiding places for those who fled from other lands.

According to information obtained from the IBGE site, the city's history is related to the conquest of freedom by African people in Brazil.


The history of Muzambinho is also associated with the struggle for freedom of Africans, mostly from Angola and Mozambique. In the region there was a large incidence of Africans who fled the farms and hid in the region, especially where today is the Brejo Alegre neighborhood. The name Muzambinho comes from the African influence in the formation of the town and has several meanings. According to tradition, the name of the city originated from the word mocambo or mocambinho, i.e., a dwelling used by black runaway slaves (IBGE, 2017, our translation).8


Nevertheless, despite this history of struggle and resistance in the origin of the city's name, when we consider the population percentage by color/race, pointed by the same Institute9, it appears that in Muzambinho the predominance of the self-declared non-black population. What we notice is that, despite its historical formation, the city today has almost 20% of its population self-declared as black (pardo10 or black), well below the population of the state, which has an average of 53.8% of its population black. The possible explanations for this fact can be understood in several moments of the history of the municipality and of the regional and national formations. This is because, despite the etymology of its gentile name, the constitution of Muzambinho was based on several characteristics and influences.

Therefore, the understanding of the formation of the municipality is related to strong historical characteristics that, besides being those of Minas Gerais, are those of southern Minas. Such analysis must be taken into consideration due to the strong and different socio-political, cultural, and colonial characteristics of this to the other regions of Minas.

The South of Minas Gerais is part of the old Comarca of Rio das Mortes, bordering São Paulo and Rio de Janeiro and being the troops' path, target of expeditions of clearing and settlements - with emphasis on the villages of Aiuruoca, Baependi and Campanha as the oldest villages.

Nevertheless, it was with coffee farming that Muzambinho approached another region: known as Mogiana Paulista, the West Paulista (region of Campinas and Ribeirão Preto). Castilho (2011, p. 34, our translation) points out that:


8 Excerpt taken from the IBGE site, in the History & Photos of Muzambinho, Minas Gerais, Brazil.

9 Available: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/muzambinho/pesquisa/23/25888?detalhes=-true. Access: 16 Sep. 2019

10 Color category used by the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE).


The coffee culture in Sul de Minas followed its expansion through the municipalities to the west of the region, on the border with the interior of São Paulo, such as Monte Santo de Minas, São João da Fortaleza (today Arceburgo), Santa Bárbara das Canoas (Guaranésia) and Cabo Verde, all established as an extension of the expansion of the West of São Paulo. Thus, the expansion of coffee farming in the South of Minas Gerais was the result of an even more voracious expansion in another region, in this case Oeste Paulista, a process that would imply in the commercial approximation of the two regions.


In the same sense, Martins (2014) points out that the region of Guaxupé expanded greatly at the turn of the 19th to the 20th century, stimulated by Cia Mogiana. Thus, we agree that, as in the province of São Paulo "slave labor was being replaced by the European immigration current, mainly composed of Italians, due to the Free Womb Law and the constant abolitionist movements" (CASTILHO, 2011, p. 33, our translation), in Muzambinho this replacement was also present.

However, it is worth reflecting that, in the coffee plantations already formed, the cultivation started to be based on foreign labor importation or harvesting contracts. Thus, an important population of immigrants attracted to the region also worked in urban activities as tailors. We also highlight that, differently from what happened with the black population, now freed, the European immigrants were given several incentives, such as


The farmer accompanied by his family could buy a rural lot in installments or at sight. The heads of family could obtain a new lot, provided that the family had at least five people able to work or that the culture of the first lot had been carefully developed (CASTILHO, 2011, p. 56, our translation).


Normal Course, Feminization of the Teaching Profession, Black Teachers


The proposal of the Normal Course in 1906 in the city of Muzambinho-MG is linked to the spirit of the political demands expressed with the advent of the new Republic, still in its genesis. This is because the creation of the Normal Course, through the Decree No. 10.060, November 30, 1888 (BRASIL, 1888), is part of a series of measures that sought to improve the civility of the Brazilian population, regenerating, and preparing it, therefore, for the new country that was desired. These desires intensified after the proclamation of the Republic, when a project of formation of national identity was accentuated.

In this sense, Muller (2008) states that, little by little, the school became the space thought and planned for the creation of these Brazilian people, always going through the so- called moral and physical values. Seeking to achieve such values, Jairza Silva (2018) highlights


that, governed by changes in patriarchal and economic relations, the feminization of teaching became a worldwide phenomenon at the end of the 19th century and throughout the 20th century. The consequence of this was that


[...] middle-class women became responsible for the mission of social moralization of the working classes. In this way, the presence of the feminine started to be effective, from the end of the 19th century, and followed this trend throughout the 20th century. This process also occurred in Brazil with due specificities (SILVA, 2018, p. 83, our translation).


In parallel to the process of feminization of teaching, which associated it with maternal values and characteristics, it is worth noting that the very construction of the curriculum ended up directing women to the course. Thus, the curriculum also worked as a limiting factor to the continuity of their educational trajectory.

To the curricular construction, as mentioned, and to the association of the belief of a gender docility, we can add economic reasons for this feminization of the teaching profession. This is because, along with the proposal to educate and civilize the Brazilian population, also came the challenge of how to foster such a process. Thus, the state could pay reduced salaries, since it could subject women to such a condition. Carvalho and Carvalho (2012, p. 110, our translation) also add that the aspired profile for this teaching was that "this woman who won this space in a useful and dignified work was from a wealthy social class, so the salary was secondary".

Thus, we realize that the Normal Course initially meant possibilities of working, being teaching one of the few possibilities of work for women. On the other hand, if for women, especially those linked to the middle class, it meant the possibility of formal work, as well as a way to leave the private space of the home to the public space of the school, for black women, who had always occupied jobs considered subordinate or in conditions analogous to slavery and whose access to public spaces already occurred without any formality, prestige and recognition, it meant only a means of survival.

The meaning of the Normal Course, therefore, is different for this social group. That is, for white women coming from wealthy social classes, besides financial issues, the insertion in this world of work also meant relative independence, while for black women,


[...] the whole experience of the private space, destined to black women, was implied in a public experience, because after the formal abolition. These women had to adjust their lives by making innumerable negotiations and agency. Thus, for them there is no public and private separate, this would be a central aspect of problematization when it comes to producing the feminization of teaching (SILVA, 2018, p. 86, our translation).


As the course became more technical through educational reforms, the teaching career became more professionalized, and a new public began to seek the course. Added to this is the devaluation of the teaching career, which, with low pay, is no longer desired by the higher social classes. Thus, the entry of black women from the lower social classes in the course has historically happened gradually.

Nevertheless, the insertion of black women continued to be deficient, because, with exclusion mechanisms such as the admission exam, implemented by Law No. 4.024 of December 20, 1961, which established that "Art. 36. Admission to the first series of the 1st cycle of high school courses depends on approval in an admission exam, in which satisfactory primary education is demonstrated, if the student has completed eleven years or will reach this age during the school year (BRAZIL, 1961, Art. 36).

This policy was in force for 40 years and, along with these legally placed barriers, the obstacles imposed by institutional racism are added, operating in the maintenance of indirect discrimination, as argued by Moreira (2017 apud ALMEIDA, 2019) when he explains that indirect discrimination is marked by the absence of explicit intentionality to discriminate against people. This can happen because the norm (in this case, the entrance exam) does not consider or foresee the effects of it.

The contact with the collection revealed historiographic data on the presence of black women in the institution, including when it was still private. This finding is available in the photographic collection referring to the periods before the fire in the 1960s11 , in which it was observed, in a photo dated 1924, the presence of two students with predominantly black phenotypic characteristics, located in the photograph standing in the foreground, being the second from right to left and the fifth student from right to left, also standing in the foreground (Figure 1). Nevertheless, it was not possible to identify them in the documents analyzed.


11 The school suffered an accidental fire on June 3, 1969, when students invaded the school to steal evaluations that would be applied that week. Moreover, the information available in the records could only be accessed from the year 1989, since, in that year, the school suffered a flood and its leaders were told by the Regional Secretary of Education (SRE) of Poços de Caldas to discard all documentation in order to minimize risks of infestation and mold transmission to the other documents.


Figure 1 – Normalists with the nuns (1924)


Source: Francisco Cerávolo Municipal Museum, Muzambinho - MG


When consulting the records of the students' data, there is no identification of the normal students. Consequently, it was not possible to retrieve other records that corroborate the color/race, since there are no names or more information in the photograph and there are no records of this period in the school, due to the fire and, later, the flooding. However, their presence during the analyzed period already called our attention and led us to ponder on the presence of black women in the teaching course, even in the first decade of the 1920s.

In addition to these obstacles, and to propose a time frame for the research, we proposed the implementation of Law No. 7.044/8212 , which changes the provisions of Law No. 5.69213, of August 11, 1971, regarding the professionalization of secondary education. This was important because several normatizations were made in the teaching course after the implementation of the above-mentioned Law. Moreover, we emphasize that, with this cut, it was possible to get in touch with the school teachers who had graduated from the course, thus being able to count on their testimonies.

In the specific case of the locus of the research, it is verified, through the sources consulted, that the increase in enrollment of black women in the teaching course in Muzambinho is placed after the sanction of Law No. 5.692 of August 11, 1971 (BRASIL, 1971a), which sets the guidelines for teaching in the 1st and 2nd grades. It is possible to consider, therefore, that the aforementioned legal provision has a direct impact on the formation


12 Available: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7044.htm#art1. Access: 10 Feb. 2021.

13 Available: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5692.htm. Access: 10 Feb. 2021.


of the same, since it puts an end to the practice of entrance examinations: "the entrance examination was for some decades the decisive dividing line between primary and secondary school. [It was a kind of password for social ascension [...]" (NUNES, 2000, p. 45, our translation).

Regarding the period in which the course functioned, we highlight that it had its activities maintained almost uninterrupted until 1997, when, after the approval of the Law of Directives Bases of National Education (LDBEN) - Law no. 9.394/96 (BRASIL, 1996) - it was established that, to teach at the basic level of education, it would be necessary to have a higher education degree, causing conflict with the course. However, the course returned to its activities in 2016, offering two classes, but closing again in 2017, after the graduation of these classes. We observe, therefore, a longevity in the training of normalist women in the municipality.

To this extent, it is worth reflecting on the formation of their identity as a social construction is to reflect on the possible categorizations and on the place that was established for them also in the educational field, since the identity of these individuals was built not only by opposition to the white man, but also by conflict, by dialogues, by the approximations and distancing of white and black men, and even of the white woman.

Nilma Lino Gomes (2003, p. 171-172, our translation) argues that:


In this perspective, when we think of the school as a specific space of formation, inserted in a much broader educational process, we find more than curricula, school subjects, regulations, norms, projects, exams, tests, and contents. School can be considered, then, as one of the spaces that interfere in the construction of black identity. The look cast on the Negro and his culture at school can either value identities and differences or stigmatize, discriminate, segregate, and even deny them.


It is in the sense that black and female identity is a construction that education and schools had (and have) an important role. We turn again to Nilma Lino Gomes (2002, p. 40, our translation), who explains that:


[…] racial difference is transformed into disability and inequality, and this transformation is justified through a view that isolates the black within the unjust socioeconomic conditions that affect, in general, the Brazilian working class.


Thus, to think about an education for blacks is to reflect on the importance of curricula and of public policies. Nevertheless, as discussed above, education for the black population in Brazil has not been stimulated. On the contrary, obstacles were created when thinking about their insertion.


We cannot also disregard that the elementary school, for example, assumed an essential role in the construction of the national identity through the choice of contents and the simplest regulations, such as the dressing of the students and teachers. Still in relation to the formation of a national identity, it is worth mentioning that it also went through the construction of the teaching profession and its feminization, giving birth to the ideology of the little teacher, especially the white teacher. In this way, we realize that, as the teaching profession was feminized, it was transformed into the figure of a white woman. Maria Lúcia Rodrigues Muller (2014) presents the whitening process of the teaching profession, and not only of the students. According to the author, this process was part of a legitimization of Manichean inferiority, allying the antagonism white/black, beauty/ugliness, and superiority/inferiority to

pedagogical competence. She also adds, at another point, that:


[...] already in the [19]20s, the standards set by educational reforms for the elementary school teacher have a precise racial and ethnic connotation, not only through the requirement of the Normal School diploma, but also through the requirement of "merit", and that the teacher could present a "healthy" biotype (MULLER, 2006, p. 09, our translation).


In this way, it is worth noting that the absence of public educational policies was a determining factor for the removal of black girls from school benches. Thus, we can observe a disappearance of black female teachers and students in the records and documents of this period.

With the affirmative action policies undertaken in recent decades, this reality has been changing, examples of which are Laws 10.639/03 and 11.645/08 (BRASIL, 2003; 2008). The proposal is that, through the inclusion of these contents in textbooks and even in festivities, it would be possible to articulate education and black identity formation. For Gomes (2002, p. 46, our translation), it would also be possible to


More than simply presenting students with data on the situation of racial discrimination and on the social, political, and economic reality of the population, the school should problematize the racial issue. This problematization implies discovering, getting to know, and socializing African references recreated in Brazil [...].


We verified that the black schoolgirls had to reconcile work and studies in their life trajectories, breaking with this the assistance/voluntary character of teaching as apprehended by women from other racial-ethnic groups and from a different social class. We noticed that, when they were still very young, they had to deal with the overcoming of obstacles given the


social reality they lived, which was, many times, disregarded or unknown, even by their teachers.


Teaching and black women: ruptures, conquest of rights and possibilities


Considering the socioeconomic context of the city of Muzambinho, that is, considering that Muzambinho is part of cities with tradition and economy strongly linked to agricultural and livestock production, having a teacher in the family is a reason for pride and growth, since there was a traditional break with manual labor.

To the same extent, also considering that, as previously stated, Muzambinho is a city with school tradition and that employs hundreds of people in their schools and federal institute, thus, having a family member in the teaching condition is a source of great pride for lower classes, especially after the agricultural school became a federal institute, when it provided the increase of vacancies and brought many professionals to the city. In this sense, when asked about the importance of her training to be a teacher Maria Madalena14 told us that


Since my mother worked as a maid, and she worked at the teacher's house [...] it was an upper class people, right, for us it was upper social class. So, my graduation was a joy for my father. Because besides... there were only two of us, a couple of children. My father, his mother passed away and he was only nine years old, so he was raised in other people's houses, without any resources, from house to house. Each time he was in one. So when I graduated for him it was like this, I was a doctor, right. It was the same thing as graduating in medicine. So when I went to college and finished it was a joy for him (Maria Madalena, black, 42 years old, graduated in 1997, our emphasis)


However, despite the traditional schools in the municipality, we observed that these black women are the first in their families to advance in their studies, reaching higher education. At the same time, we also observe that all of them emphasize that the teaching course offered this possibility, either by providing financial conditions or by the maturity that the course brought.


What led me to take the teaching course was curiosity. I was wanting to take a course, so I started administration [at the technical level] and I met a friend who was taking the magisterial course and she told me that everything was very good. Then I got curious [and sought] to know how it works. I went and I liked it. Then I learned and learned. I really like to learn. I fell in love. [To practice the job]. I usually take substitution at the school where I did my internship. Because sometimes a teacher is missing. Or the teachers


14 The names of the interlocutors are fictitious and they were chosen by themselves.


themselves call me, you know? The teacher will be absent on such and such a day, then he calls me: "Fatima [...] can you come tomorrow? They leave the material, and then I work on that material with the students in education. Usually early childhood education, because the teaching I did is for early childhood education (Fátima, black, 34 years old, graduated in 2017, emphasis added).


Yes, very big, there was a very big change. Because I used to earn money working in the rural area, in a very difficult job, with a lot of suffering, little valued, I think it should be more valued, because it is the rural people that keep our table. They are discriminated against too much. Not so much now, but before it was us: "look at the day laborer, look at I don't know what...". So, today people don't talk like that anymore, because today everything is mechanized, today there are machines to brew coffee, today there are state- of-the-art tractors. So today it is different, but not before, it used to be a hoe, a little scuttle, the lunch box was wrapped in newspaper and tied with a dishcloth. So it was very hard work, and what we earned was not enough. And the black woman in the zone suffered even more. So after I graduated, yes, I did. I managed, I fought, I did a lot of substituting, I spent many years substituting, until I was recognized as a teacher and then it changed a lot (Maria Madalena, black, 42 years old, graduated in 1997, our emphasis).


As a teacher. And so, my greatest, my greatest dream when I finished teaching, my father went to my graduation. And my greatest dream was to go to college, just like you said, I couldn't afford it, it was very expensive, everything... so I only went to college after I started working. Then I had the money to pay for college. Then I managed. (Maria, black, 52 years old, graduated in 1989, our emphasis).


It has called our attention in this way that the normal/magisterial course provided these black women with educational possibilities that were not previously possible for their families to attain. In addition, even though, today, the profession of early years teacher may be undervalued from a financial point of view, the profession is doubly significant for these black women.

This is because teaching breaks the cycle related to the family's low schooling, and also means possibilities of advancement in their professional careers. Thus, the course reverberates positively in terms of building the self-esteem of these women, a perspective shared by other studies, because:


Exercising the teaching career, therefore, for these subjects is not necessarily related to socially occupying a profession of low social prestige. On the contrary, for them it means achieving a certain social mobility, given their life and family trajectory (SILVA, 2018, p. 86, our translation).


The perception of a change in life after entering the course for Teaching is shared by Fatima when she considers that


The memory I have of teaching is a memory of... you know? Discovery. Because I was very ignorant, really ignorant, I was an ignorant mother, an ignorant person. Then I discovered in teaching, that to educate, to teach you don't need to. (...) you don't only have to be a mother, you also have to be a companion, you know? Understand the other side of the story. You don't just go there and teach a student. For one student. You are teaching 25 students in a room, you need to pay attention to everyone. Everyone needs attention and I was very ignorant about this. I learned that I have to learn more and more (Fatima, black, 34 years old, graduated in 2017, emphasis added).


Thus, education is understood in a broad sense, which is constituted not only in our schooling, but also takes place in our humanization process, including in our family relationships. In other words, the educational practice takes place in several social spaces: in the family, in the community, at work, in collective actions, in cultural groups, in social movements, in the school, among others.

The role of the family is, therefore, fundamental in the process of black identity formation and socialization. In this sense, Eliana Oliveira (2006. p. 17) explains the meaning of socialization as a set of mechanisms by which the individual learns about social relations and assimilates the norms, values, and beliefs of a society and a collectivity. Thus, we noticed that the family support for the continuity and permanence in the teaching course, being considered as a possibility of opportunities and social recognition,


[...] so my father and mother always encouraged their children to study. [My mother] said that reading was very necessary and so [...] the memories I have that are already deceased, right? It's of her always encouraging me to study, to have a life different from hers, right? (...) É. This brother of mine, my brother helped to buy some school material for me and my other sister [...]. And so, when I was a student I didn't have everything I needed. We still had a difficult situation, but rice and beans were always there. So, I didn't have clothes, they were clothes, a change of clothes, and I didn't have the notebooks that everyone else had, I belonged to the school box, so that was my childhood. But my mother said that I was very studious, that I was very intelligent, and she encouraged all of us to study. Since... my older brothers, me, you know. And then I kept going, I kept studying, so things started to get better. Because then I started working. [You know, she used to talk all the time that it was very important to study, that she couldn't read, she couldn't write, and that we... she... I remember her talking, insisting with all of us, for us to have a registered job, you know. She talked about stability at that time, stability. So she used to say a lot: "study, so you can have a different job than the one we had. So, I think that each one took advantage of this incentive in a different way. My sister, [...], studied nursing. She is a nursing technician. She was a teacher, right. She went to high school, but she didn't want to pursue a teaching career. She didn't go to college. Márcia finished high school, in Acertando o Passo, a program that she had. My brother went up to the second year of high school. It seems that she studied until the fourth, third year, only when she was at home. Then she stopped studying, and [...], she did up to fifth grade at the time (Maria, black, 52 years old, graduated in 1989, our emphasis).


My mother is very fond of reading. She likes to read a lot and I always watched her reading and said: "Gee, Mom, I don't like this. I always said, "Oh, no, I'm not going to mess with that. I don't know how she can stand reading so much. I told her so. And my mother always said that to me, why [...] I am her only daughter, a woman. So she always put in my head: "daughter, you have to be somebody in life" "Somebody... you have to do something good with your life, because we are women, we already suffer. Even more so when we are black. Black people, you can't even dream, can you? So at least, if you dream and get it, my daughter, whatever you don't get is fine with me" (Fatima, black, 34 years old, graduated in 2017, our emphasis).


We noticed the importance of family support and encouragement in their education and formation. This can be explained by the fact that their respective families have not been assured the right to education, and that the working classes are often not recognized in these institutional spaces. Regarding this view, Lea Paixão (2007) argues that the lower classes place great importance on school, since they see in it the possibilities of learning, such as the basic skills of reading and writing, but also that they will be taught the norms that organize society more broadly.

Anyway, looking for formation, integration, or right, we verified in the interviewees' speech what was previously argued by Amauri Pereira (2005) that the democratization of the school should be encouraged and guaranteed by the direction and pedagogical team, but that it will not be implemented if there is no interest and "awareness" of the students, parents, or guardians.

However, we observed in the student trajectory of 2 of the 3 interviewees the continuity and training in higher education in private institutions, even Fatima starts her course in a private institution and then gets the remaining vacancy in a federal institution. Thus, considering their social conditions, having taken the Teaching course, technical medium level, was essential for them to have access to higher education, since there was a need for remuneration and work to support themselves, besides being part of the family support.

Gatti (2010) pointed out that 64% of the Pedagogy enrollments were in private institutions, also highlighting that in the 1980s, federal institutions focused on baccalaureate courses. The author also adds that, considering the age range of 18 to 24 years as the ideal age to attend higher education, that 20% of the pedagogy students are in the age range of 30 to 39 years. In this aspect, our interlocutors are not different from this since they attended/course after the age of 30.

Among the many political changes that explain the changes, including the vacancy in a federal institution in Fatima, we highlight the university reforms and expansions, highlighting


the creation of federal institutes that bring in Law 11.892/200815 the obligation of a minimum of 20% of the vacancies to be in undergraduate courses, directly impacting the municipality studied and the interviewees.


Final considerations


The study pointed out that several policies directly and indirectly influenced the teaching education of black women in Brazil. Directly through obstacles such as the entrance examinations, mandatory from 1931 to 1971, which limited access to secondary education. In this context, such exams ended up becoming the main exclusion mechanism based on the technical meritocratic neutrality of the results, decreeing the end of the educational trajectory of several black women who did not have the financial conditions to study or even to acquire the school materials necessary to complete their studies.

It also explained the absence of black representation in the teaching career. This is because, by analyzing the documental sources, it was verified that, even though teaching is a mostly female practice and considering a secular course in teacher education in Muzambinho, in light of the intersectionality of race, gender, and class, it is verified that black teachers are underrepresented in the teaching career.

Finally, the education acquired through the Normal Course for the black schoolgirls is evaluated in a very positive way by them, considering the adverse social and racial conditions faced by these women.

The experience of taking a course in education for these women, therefore, meant the starting point for them to be able to continue their schooling trajectories by continuing their studies at the college level and at the post-graduate level.


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Submitted: 18/11/2021 Required revisions: 14/10/2021 Approved: 10/11/2021 Published: 16/12/2021


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Translator: Alexander Vinicius Leite da Silva.